O Evangelho de Lucas, resultado de “acurada investigação” (Lc.1:3), procura, em seu início, reconstituir, à luz da fé, a atmosfera que envolveu o nascimento de Jesus de Nazaré. Neste contexto se encontra a Anunciação (Lc. 1: 26-38) título dado à narrativa do diálogo entre o anjo (mensageiro) Gabriel e Maria. Nessa narrativa, algumas características ou atitudes chamam a atenção como pré-requisitos para que se possa viver a experiência do Natal de Jesus.
O primeiro pré-requisito é a capacidade de admirar-se com o mistério. Diante da saudação angelical – “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc.1:28) – Maria se admira, se encanta: “Ela ficou intrigada com essa palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação” (Lc.1:29). A experiência do Natal precisa ser antecedida por uma reflexão sobre a mesma, com o senso de maravilha, de fascinação diante do projeto divino: fazer-se humano. Tal mistério provoca, naturalmente, certo temor: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus!” (Lc.1:30). O temor é uma reação legítima diante de uma promessa estupenda pela qual o inquiridor tem de render-se à mente maior que estabelece os termos do projeto de vida.
O segundo pré-requisito para se viver a experiência do Natal de Jesus reside na capacidade receptiva de Maria: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!”(Lc.1:38). Trata-se de encontrar no anúncio do Natal o sentido e a realização plena da existência, a alegria de poder hospedar Deus na nossa vida, a qual se torna mistério sacrossanto pela encarnação do próprio Deus.
A Anunciação tornou-se urgente em uma sociedade que luta para remover todo o mistério da vida na busca do conhecimento técnico, manipulador, transformando as inspirações mais sublimes da vida em “lugares-comuns”. É urgente conhecer os mistérios da vida de modo participativo, pensando no mistério, por exemplo, da sexualidade humana na consumação do amor compartilhado dentro da santidade do casamento, pensando no prodígio do nascimento de uma vida que se desenvolve dentro do corpo de uma mulher, pensando no encanto de uma vida diminuta nutrida no seio de sua mãe. O Natal está ameaçado pela desumanização das relações entre um homem e uma mulher, pela concepção de crianças cercadas por vontades egocêntricas ou lançadas “no lixo”. De fato, os símbolos do Natal, nascidos da fé e que falam ao coração, foram capturados pelo comércio na forma de produtos acessíveis pelas vias dos juros imperiais romanos. O Natal não é poder aquisitivo, mas receptivo diante do mistério: seja feita a tua vontade.
EVANGÉLICOS
Publicado em 31.12.2006
No caderno Cidades do Jornal do Commércio
Marlesson Castelo Branco do Rego é pastor batista na Igreja de San Martin e mestrando em ciências da religião pela Unicap.
"Cristão é meu nome e Católico é meu sobrenome. Um me designa, enquanto o
outro me especifica.Um me distingue, o outro me designa. É por este sobrenome
que nosso povo é distinguido dos que são chamados heréticos."
(São Paciano de Barcelona, Carta a Sympronian, 375 D.C.)