“A própria sentença protestante que diz ser somente correto o que está na Escritura, nela não se encontra, fazendo-nos crer que não é verdadeira – resultado lógico! Interessante que aquilo que justifica a fé protestante na Bíblia (fé essa correta, ainda que distorcida), não é uma verdade, mas um falso silogismo já desmontado”.
Nós, católicos, também cremos na autoridade da Bíblia, mas não porque ela se nos afirma dessa maneira. A razão de nossa fé na Escritura reside também fora dela, por razões lógicas. Cairíamos, em petição de princípio, se sustentássemos a mesma tese protestante de que a autoridade bíblica reside somente em suas páginas. Se não, vejamos:
São Pedro, falando das cartas de São Paulo, escreve: “Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras” (II Pe 3,16).
Como admitir que tão ardorosos defensores da Sagrada Escritura a contrariem num ponto tão claramente exposto pelo apóstolo? Se existem “passagens difíceis de entender” é porque não basta pegar a letra bíblica para saber seu significado! Tampouco uma pretensa “iluminação” pelo Espírito Santo garantiria a fidelidade à revelação, pois não foi dado Ele aos batizados para simplesmente tornarem-se doutores em exegese! Se assim o fosse, não restariam tantas igrejolas com doutrina distinta, contrárias umas às outras, dizendo-se “inspiradas pelo Espírito Santo”. É Deus esquizofrênico para revelar contradições? Ou está o Criador brincando com Seus filhos em assunto tão importante como a compreensão de Suas palavras?
A sustentação de que toda doutrina, para ser considerada verdadeira, deva estar contida nas páginas da Bíblia é um erro que decorre de uma sentença do pensamento luterano, ainda que já adotada pelos precursores da Reforma Protestante. Essa Afirmação aparentemente piedosa, carrega em si todo o rancor contra a Igreja. Apelando para essa frase – “toda doutrina verdadeira deve estar na Bíblia” –, tentam envolver os incautos em uma rede, da qual podem vir a não mais sair.
Se a sentença de que toda a verdade está na Bíblia é correta, ela mesma deve estar nas páginas de algum livro da Sagrada Escritura. É uma conseqüência obrigatória para quem a profere. Logo, aos que ensinam “toda doutrina verdadeira deve estar na Bíblia”, cabe indagar onde, na Escritura, está contida tal afirmação. Sim, pois a frase em si é uma doutrina, e, se é verdadeira, como propugam seus fautores, deve estar na Bíblia, sob pena de considerá-la uma contradição.
Alguns responderão, citando o Apóstolo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” (II Tm 3,16). Entretanto, se a passagem afirma a inspiração divina da Bíblia – que não é negado pelos católicos! –, ela não sustenta, por outro lado, que somente a Escritura possui tal inspiração. Assim, afirmar “Fulano é inteligente” não importa em dizer que “Só Fulano é inteligente.” A aludida perícope escriturística não prova o argumento protestante.
Existe, acaso, na Bíblia, a sentença de que só o que nela está contido é verdadeiro, ou de que tudo, para ser verdadeiro, deve estar em suas páginas? Solapada a primeira tentativa, com a carta a São Timóteo, resta um exame acurado de todo o conteúdo da Escritura, o que resulta na resposta negativa. O ensino da “Sola Scriptura” – do latim, “Só a Escritura” –, resumo do significado de “toda doutrina verdadeira deve estar na Bíblia”, não encontra respaldo na mesma.
A “Sola Scriptura” não está na Bíblia! Se uma doutrina, para ser verdadeira, deve estar na Bíblia, só temos duas conseqüências: ou a Escritura confirma semelhante proposição, o que vimos não ser correto, pela completa ausência de frases a respeito; ou a “Sola Scriptura”, por não estar na Bíblia, não é verdadeira. A própria sentença protestante que diz ser somente correto o que está na Escritura, nela não se encontra, fazendo-nos crer que não é verdadeira – resultado lógico! Interessante que aquilo que justifica a fé protestante na Bíblia (fé essa correta, ainda que distorcida), não é uma verdade, mas um falso silogismo já desmontado.
Não é possível que a “Sola Scriptura” seja verdadeira se seu significado é de que a doutrina, para ser legítima e aceita como revelada da parte de Deus, deva estar na Bíblia, e ela mesma não está! Feita a apreciação negativa da base doutrinária protestante, resta-nos, antes de passarmos ao segundo erro fundamental da mesma, expor argumentos positivos subsidiários.
Não só a doutrina que afirma que é verdadeiro somente o expresso na Sagrada Escritura nela não se encontra, como também justamente o contrário é ali afirmado. Se não, vejamos o seguinte. São Paulo, escrevendo a São Timóteo, exorta-o a guardar o que foi a ele ensinado – e esse ensino não está na Escritura, de modo que temos de entender como passado oralmente –, dizendo: “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado!” (I Tm 6,20), e repetindo, em outra ocasião: “Guarda o precioso depósito, pela virtude do Espírito Santo que habita em nós” (II Tm 1,14).
Explicando textualmente que o ensino cristão não se dá apenas pelo contido na Bíblia, o mesmo Apóstolo, escreve: “Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa” (II Ts 2,15); a doutrina verdadeira está na Bíblia – carta –, mas também no ensino oral – palavras dos Apóstolos. E reafirmando o valor da Tradição – do latim “Traditio”, que significa “passado adiante” –, e que se dá oralmente, exorta-nos o santo que evitemos tudo o que contrariar a “tradição que de nós tendes recebido” (II Ts 3,6).
O que é livre de erro não é somente a Escritura, mas o ensinamento apostólico, que se dá, outrossim, pela pregação – aliás, antes de termos definido o cânon, isto é, a lista dos livros que pertencem à Bíblia, já tínhamos a pregação dos Santos Apóstolos, a Tradição oral: “a nossa pregação não provém de erro, nem de intenções fraudulentas, nem de engano” (I Ts 2,3).
As próprias leis que norteiam a administração da Igreja nos tempos primevos não estavam presentes na Bíblia, mas mesmo assim é ordenado que sejam acatadas: “Eu te deixei em Creta para acabares de organizar tudo e estabeleceres anciãos em cada cidade, de acordo com as normas que te tracei” (Tt 1,5). São João, o discípulo amado, escreve um Evangelho e três epístolas, e contudo deixa ensinos, por certo verdadeiros, para ser transmitidos oralmente: “Tinha muitas coisas para te escrever, mas não quero fazê-lo com tinta e pena. Espero ir ver-te em breve e então falaremos de viva voz” (III Jo 13-14).
A Bíblia não foi escrita para abrigar a doutrina, vemos pois, que ela foi transmitida pelos Apóstolos aos seus sucessores legítimos, e tanto que nos primeiros anos o cânon não estava definido – cabe lembrar que quem o fez foi uma reunião de sucessores dos Apóstolos, os Bispos, provando que a Bíblia é “filha da Igreja” e não sua “mãe”, como querem os protestantes. João afirma que nem tudo o que Cristo fez está na Escritura: “Fez Jesus, na presença dos seus discípulos, ainda muitos outros milagres que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome” (Jo 20,30-31).
O segundo erro contido na “Sola Scriptura” é a petição de princípio, definido como “o colocar a autoridade do objeto no próprio objeto”. Um argumento é uma petição de princípio quando uma premissa do argumento é meramente a reafirmação da conclusão. Assim, pregam milhões de protestantes que crêem na Bíblia porque ela afirma ser verdadeira. Ora, nada mais infantil! Algo não pode ser verdadeiro somente porque se diz verdadeiro.
Nós católicos, cremos na Bíblia e na sua autoridade, mas não porque ela se nos afirma dessa maneira, mas porque assim nos manda a Igreja. A origem da autoridade da Bíblia está na Igreja, que tem sua autoridade em Cristo, Seu Fundador, que, por ser Deus, é a fonte primária de toda legítima autoridade. Com Santo Agostinho, aliás tão utilizado (e distorcido, claro!) pelos protestantes para defender seus impropérios predestinacionistas, fazemos profissão de fé: “Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja católica” (Contra epistulam Manichaei quam vocant fundamenti, 5,6; PL 42,176).
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