Esta é a finalidade, e não outra, a finalidade da Igreja, a salvação das almas, uma a uma. Por isso o Pai enviou seu Filho, e «como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo 20,21). Daqui, o mandato de evangelizar: «Ide, pois, ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo» (Mt 28,19-20).
O ministério episcopal nos impele ao discernimento da vontade salvífica, na busca de uma pastoral que eduque o Povo de Deus a reconhecer e acolher os valores transcendentes, na fidelidade ao Senhor e ao Evangelho. É verdade que os tempos de hoje são difíceis para a Igreja e muitos dos seus filhos estão atribulados. A vida social está atravessando momentos de confusão desnorteadora.
Ataca-se impunemente a santidade do matrimônio e da família, iniciando-se por fazer concessões diante de pressões capazes de incidir negativamente sobre os processos legislativos; justificam-se alguns crimes contra a vida em nome dos direitos da liberdade individual; atenta-se contra a dignidade do ser humano; alastra-se a ferida do divórcio e das uniões livres.
Ainda mais: no seio da Igreja, quando o valor do compromisso sacerdotal é questionado como entrega total a Deus através do celibato apostólico e como disponibilidade total para servir às almas, dando-se preferência às questões ideológicas e políticas, inclusive partidárias, a estrutura da consagração total a Deus começa a perder o seu significado mais profundo. Como não sentir tristeza em nossa alma? Mas tende confiança: a Igreja é santa e incorruptível ( Ef 5,27). Dizia Santo Agostinho: “Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá talvez Cristo vacilar? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até o fim dos tempos” (Enarrationesin Psalmos, 103,2,5; PL, 37, 1353.)
Entre os problemas que afligem a vossa solicitude pastoral está, sem dúvida, a questão dos católicos que abandonam a vida eclesial. Parece claro que a causa principal, dentre outras, deste problema, possa ser atribuída à falta de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda explanação.
As pessoas mais vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas - que é motivo de justa preocupação – e incapazes de resistir às investidas do agnosticismo, do relativismo e do laicismo são geralmente os batizados não suficientemente evangelizados, facilmente influenciáveis porque possuem uma fé fragilizada e, por vezes, confusa, vacilante e ingênua, embora conservem uma religiosidade inata. Na Encíclica Deus caritas est recordei que “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (n.1).
É necessário, portanto, encaminhar a atividade apostólica como uma verdadeira missão dentro do rebanho que constitui a Igreja Católica no Brasil, promovendo uma evangelização metódica e capilar em vista de uma adesão pessoal e comunitária a Cristo. Trata-se efetivamente de não poupar esforços na busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada conhecem sobre Jesus Cristo, através de uma pastoral da acolhida que os ajude a sentir a Igreja como lugar privilegiado do encontro com Deus e mediante um itinerário catequético permanente.
O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do “pão material”.
É necessário um salto de qualidade na vivência cristã do povo, para que possa testemunhar a sua fé de forma límpida e esclarecida. Essa fé, celebrada e participada na liturgia e na caridade, nutre e fortifica a comunidade dos discípulos do Senhor e os edifica como Igreja missionária e profética. O Papa veio ao Brasil para pedir-vos que, no seguimento da Palavra de Deus, todos os Veneráveis Irmãos no episcopado saibam ser portadores de eterna salvação para todos os que lhe obedecem ( Hb 5,10).
Conheço a dinâmica das vossas Assembléias e o esforço por definir os diversos planos pastorais, que dêem prioridade à formação do clero e dos agentes da pastoral. O Sucessor de Pedro conta convosco para que vossa preparação se apóie sempre naquela espiritualidade de comunhão e de fidelidade à Sé de Pedro, a fim de garantir que a ação do Espírito não seja vã. Com efeito, a integridade da fé, junto à disciplina eclesial, é, e será sempre, tema que exigirá atenção e desvelo por parte de todos vós, sobretudo quando se trata de tirar as consequências do fato que existe «uma só fé e um só batismo».
Como sabeis, entre os vários documentos que se ocupam da unidade dos cristãos está o Diretório para o ecumenismo publicado pelo Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos. O Ecumenismo, ou seja, a busca da unidade dos cristãos torna-se nesse nosso tempo, no qual se verifica o encontro das culturas e o desafio do secularismo, uma tarefa sempre mais urgente da Igreja católica. Com a multiplicação, porém, de sempre novas denominações cristãs e, sobretudo diante de certas formas de proselitismo, frequentemente agressivo, o empenho ecumênico torna-se uma tarefa complexa.
Em tal contexto é indispensável uma boa formação histórica e doutrinal, que habilite ao necessário discernimento e ajude a entender a identidade específica de cada uma das comunidades, os elementos que dividem e aqueles que ajudam no caminho de construção da unidade. O grande campo comum de colaboração deveria ser a defesa dos fundamentais valores morais, transmitidos pela tradição bíblica, contra a sua destruição numa cultura relativística e consumista; mais ainda, a fé em Deus criador e em Jesus Cristo, seu Filho encarnado. Além do mais vale sempre o princípio do amor fraterno e da busca de compreensão e de proximidade mútuas; mas também a defesa da fé do nosso povo, confirmando-o na feliz certeza, que a “unica Christi Ecclesia... subsistit in Ecclesia catholica, a successore Petri et Episcopis in eius communione gubernata” (“a única Igreja de Cristo... subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”) (Lumen gentium 8).
Neste sentido se procederá a um franco diálogo ecumênico, através do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, zelando pelo pleno respeito das demais confissões religiosas, desejosas de manter-se em contato com a Igreja Católica no Brasil.
Queridos irmãos, se Deus quiser, encontraremos outras oportunidades para aprofundar as questões que interpelam a nossa solicitude pastoral conjunta. Desta vez, desejei, certamente de maneira não exaustiva, expor os temas mais relevantes que se impõem à minha consideração de Pastor da Igreja universal. Transmito-vos o meu afetuoso encorajamento que é, ao mesmo tempo, uma fraterna e sentida súplica: para que procedais e trabalheis sempre, como vindes fazendo, em concórdia, tendo como vosso fundamento uma comunhão que na Eucaristia encontra o seu momento culminante e o seu manancial inesgotável. Confio todos vós a Maria Santíssima, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, enquanto de todo o coração vos concedo, a cada um de vós e às vossas respectivas Comunidades, a Bênção Apostólica.
"Cristão é meu nome e Católico é meu sobrenome. Um me designa, enquanto o
outro me especifica.Um me distingue, o outro me designa. É por este sobrenome
que nosso povo é distinguido dos que são chamados heréticos."
(São Paciano de Barcelona, Carta a Sympronian, 375 D.C.)