Perguntaram-me se generosidade equivalia à caridade. Respondi que não. Pois a caridade é fruto da generosidade. A generosidade é uma disposição da alma para ser caridoso, magnânimo, beneficente, solidário, fraterno, tolerante. O homem generoso se abre aos outros. Sai, por assim dizer, de sua concha egoísta e se dispõe a querer, além de seu bem, o bem dos outros. Primeiramente do próximo ao seu lado, depois ao círculo maior de todos os homens e de todos os seres viventes. Pergunta-se se a generosidade é fruto da cultura, ou é um dom natural. Digo que é um dom natural, pois até muitos animais, instintivamente, são generosos para com os seus filhos, com os companheiros de seu bando.
No ser humano, embora esta generosidade instintiva também exista naturalmente, contudo lhe foi acrescida uma dimensão nova, decorrente de ser um animal social e racional. E quando a razão humana se assume como tal, ela se conscientiza também de sua dimensão espiritual. E quando situamos a dimensão espiritual no nível mais elevado, não propomos um dualismo entre corpo e espírito, pois as dimensões inferiores são envolvidas pelas dimensões superiores, não as anulando.
Por isso, quando falamos do ser humano, ele não deve ser definido nem pelos instintos, nem pelo corpo, nem pela alma, nem pela razão. O ser humano é um ser que apenas se apresenta verdadeiramente como ser humano em sua dimensão espiritual. Seu corpo, sua alma, sua razão se demonstram humanizados, quando espiritualizados. E esta é uma fundamental contribuição do cristianismo para a civilização: Cristo veio revelar o homem ao homem. Assim como o espírito não tem limites em si mesmo, o homem espiritualizado é um ser sem as fronteiras do instinto, da matéria, da psique e da razão. Pelo espírito o ser humano é um ser aberto, capaz de ultrapassar os limites do universo criado e se relacionar com Deus. E Jesus nos ensina que também no nosso relacionamento com o próximo o homem deve-se ultrapassar. Amar a si, é verdade. Supõe, portanto, Jesus, que tenhamos uma auto-estima, um certo egoísmo, a partir do qual se deve amar ao próximo, além de Deus. E este amor ao próximo é uma saída dos nossos limites não espiritualizados para nos doarmos espiritualmente aos outros. Desta forma a espiritualidade cristã é uma espiritualidade de generosidade, de abertura do coração, de fraternidade, de comunhão, de interesse por todos os outros seres humanos, para que possam também espiritualizar todas as dimensões de sua vida terrena.
Generosidade, portanto, não se refere apenas a uma doação material. Mas é o empenho expansivo para a espiritualização da humanidade. Somente com essa demonstração de interesse seremos cristãmente generosos. Como estamos nos aproximando de mais uma celebração do Natal de Jesus Cristo, é recomendável meditar sobre a verdadeira generosidade que Cristo nos ensinou. Esta generosidade não consiste em distribuirmos cestas básicas, em recolhermos brinquedos para crianças pobres, em distribuirmos bens materiais que, já no segundo dia de Natal, foram consumidos, deixando os pobres com fome, e nós, aparentemente, com a consciência tranqüila por termos feito algum bem. Não nega que isto tenha sido uma boa ação. Mas nisto não consiste a generosidade cristã. Ela é muito mais. Ela se envolve com tudo que desfigura a imagem de Deus no ser humano.
Ela se doa para que o ambiente de nossa família, de nossa cidade, de nosso próximo demonstre um ambiente humanizado. O que, segundo a revelação do homem ao homem por Jesus Cristo, significa que nossa vida, e todo o ambiente em que vivemos, se revista da dimensão de espiritualidade desejada por Deus para o homem que busca a cristificação do mundo. Neste sentido, façamos um voto de generosidade no Natal, mas que perdure para o resto de nossa existência.
Inácio Strieder, filósofo e teólogo.
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"Cristão é meu nome e Católico é meu sobrenome. Um me designa, enquanto o
outro me especifica.Um me distingue, o outro me designa. É por este sobrenome
que nosso povo é distinguido dos que são chamados heréticos."
(São Paciano de Barcelona, Carta a Sympronian, 375 D.C.)